O fim de uma união, seja por divórcio ou dissolução de união estável, raramente deixa pendentes apenas questões emocionais. O imóvel que serviu de residência do casal – quase sempre registrado em nome de ambos – transforma-se, de um dia para o outro, em um condomínio involuntário.
É justamente nesse momento que surge a pergunta que inspira o presente artigo: quem permanece no imóvel deve pagar aluguel ao coproprietário que saiu?
Há firme entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, com o fim da convivência conjugal, o imóvel pertencente a ambos, passa a ser regido pelas normas que regem o condomínio, até sua efetiva extinção.
O condomínio é uma figura jurídica que compreende a titularidade de um mesmo bem por mais de uma pessoa. Elas são denominadas condôminas.
Nesse contexto, se apenas um dos condôminos usa o bem de forma exclusiva, é natural que pague valor mensal (aluguel) ao outro pela privação do uso, sob pena de se caracterizar o enriquecimento sem causa.
É que, sendo coproprietários, um deles não pode ser privado do uso do imóvel sem justa compensação. Assim, ex cônjuge que deixou o imóvel pode exigir do outro o “aluguel” pelo uso exclusivo do que também lhe pertence.
Divórcio x imóvel: aluguel não incide automaticamente
O aluguel, todavia, não incide automaticamente. Para que haja o direito ao recebimento desse valor, é imprescindível que o coproprietário manifeste expressamente sua oposição ao uso exclusivo do bem – por meio de notificação, por petição incidental na ação de divórcio ou por demanda autônoma de arbitramento.
Essa manifestação cumpre dupla função: (i) torna inequívoca a ciência do ocupante de que a posse deixou de ser tolerada e (ii) serve como termo inicial para a contagem do valor devido, evitando pretensões retroativas indefinidas.
Quando o ocupante permanece no imóvel na companhia de filhos menores, o debate ganha novos contornos jurídicos.
Em tais hipóteses, existe a compreensão de que, mesmo diante de oposição formal do coproprietário, o uso do bem atende prioritariamente ao interesse da prole, não se destinando exclusivamente ao benefício pessoal do genitor que ficou na casa.
Nesses casos, não se pode falar em enriquecimento sem causa do genitor que fica no lar, pois o uso exclusivo cumpre finalidade assistencial.
A solução adequada costuma ser a compensação no quantum dos alimentos: se o cônjuge que saiu continua arcando com prestações em dinheiro, pode pleitear revisão para que a habitação concedida seja computada no binômio necessidade-possibilidade.
O aluguel se apura, em regra, por arbitramento judicial, tomando-se o valor de mercado da locação de imóvel similar na mesma região e aplicando-se a fração ideal do coproprietário.
Dever de indenizar subsiste até a partilha ou a alienação do bem
Importante registrar que o dever de indenizar subsiste até a efetiva partilha ou a alienação do bem. Caso o imóvel seja vendido e o preço partilhado, considera-se encerrado o período de incidência do aluguel.
Para evitar litígios dessa natureza, é recomendável:
- (i) pactuar em acordo de divórcio o regime de utilização e eventual compensação;
- (ii) lavrar instrumento de locação residencial quando um ex-cônjuge puder e quiser suportar o valor de mercado;
- (iii) providenciar a notificação extrajudicial logo após a saída do lar, fazendo constar data, valor pretendido e forma de pagamento; avaliar a conveniência de fixar alimentos levando em consideração esses fatores.
Em síntese, nenhum dos antigos parceiros é obrigado a oferecer moradia “gratuita” ao outro; tampouco se pode ignorar o dever de solidariedade parental quando há filhos envolvidos.
O critério a ser utilizado é do equilíbrio patrimonial, através do qual afasta-se o enriquecimento sem causa e, simultaneamente, protege o interesse da prole e a dignidade de ambos os ex-companheiros.
Com o fim da relação, imóvel vira ativo patrimonial
Quando o relacionamento se desfaz, o imóvel – antes palco de afeto – converte-se em ativo patrimonial que exige tratamento técnico.
O aluguel não deve ser visto como punição, mas como mecanismo de equilíbrio, lembrando que, mesmo depois do adeus, o princípio da boa-fé objetiva continua a reger a convivência entre ex-cônjuges, ainda que agora apenas como condôminos.